2 de mar. de 2020

A Morte - Parte 1. ( Wayne Grudem)


Nosso estudo da aplicação da redenção deve incluir uma consideração da morte e da questão de como os cristãos devem ver a própria morte e a morte dos outros. Devemos também perguntar sobre o que nos acontece entre o tempo que morremos e o tempo em que Cristo vai retornar para nos dar corpos ressurretos.

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1. A morte não é uma punição para os cristãos.

Paulo diz-nos claramente que “agora, já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). Todas as penalidades dos nossos pecados já foram pagas.Assim, muito embora saibamos que os cristãos morrem, não devemos considerara morte dos cristãos uma punição de Deus ou de alguma forma um resultado da penalidade devida a nós por causa dos nossos pecados. É verdade que a penalidade pelo pecado é a morte, mas essa penalidade não mais se aplica a nós — nem em termos de morte física nem em termos de morte espiritual ou separação de Deus. Tudo isso foi pago por Cristo. Portanto, deve haver outra razão que não a punição de nossos pecados para a morte que os cristãos enfrentam.

2. A morte é o resultado final da vida no mundo decaído.

Em sua grande sabedoria, Deus decidiu que não nos aplicaria os benefícios da obra redentora de Cristo de uma só vez. Antes ele escolheu aplicar os benefícios da salvação de modo gradual em nossa existência. Semelhantemente, ele resolveu não remover todo o mal do mundo de imediato, mas esperar até o juízo final e o estabelecimento do novo céu e da nova terra. Em resumo, ainda vivemos em um mundo decaído e nossa experiência de salvação é ainda incompleta.

O último aspecto do mundo decaído a ser removido será a morte. Paulo diz: “Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, depois de ter destruído todo domínio, autoridade e poder. Pois é necessário que ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” (lCo 15.24-26).

Quando Cristo retornar, então se cumprirá a palavra que está escrita: “A morte foi destruída pela vitória”. “Onde está, á morte, a sua vitória? Onde está, á morte, o seu aguilhão?” (lCo 15.54,55). Mas até aquele tempo a morte vai permanecer uma realidade mesmo na vida dos cristãos.

Embora a morte não nos venha como penalidade pelos nossos pecados individuais (porque isso foi pago por Cristo), ela vem como resultado de vivermos no mundo decaído, onde os efeitos do pecado não foram ainda removidos. Ligados à experiência da morte 2 estão outros resultados da queda que prejudicam nosso corpo físico e assinalam a presença da morte no mundo — tanto os cristãos como os não-cristãos experimentam o envelhecimento, as doenças, os prejuízos, os desastres naturais (como as enchentes, tempestades violentas e terremotos). Embora Deus muitas vezes responda às orações para libertar cristãos (e também não-cristãos) de alguns desses efeitos da queda por certo tempo (indicando assim a natureza do seu Reino que se aproxima), os cristãos acabam experimentando todas essas coisas em alguma medida, e, até que Cristo retorne, todos nós ficaremos velhos e morreremos. O “último inimigo” ainda não foi destruído. E Deus resolveu permitir que experimentássemos a morte antes de ganharmos todos os benefícios da salvação que foi conquistada para nós.

3. Deus usa a experiência da morte para completar nossa santificação.

Durante toda a nossa jornada na vida cristã, sabemos que nunca temos de pagar qualquer penalidade pelo pecado, pois tudo foi pago por Cristo (Rm 8.1). Portanto, quando realmente experimentamos dor e sofrimento nesta vida, não devemos nunca pensar que é porque Deus nos esteja punindo (para o nosso mal) . As vezes o sofrimento é simplesmente resultado da vida o no mundo pecaminoso e decaído e às vezes é porque Deus nos está disciplinando (para o nosso bem), mas em todo o caso Paulo nos assegura: “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8.28).

O propósito positivo de Deus nos disciplinar está claramente afirmado em Hebreus 12 , onde lemos: “pois o Senhor disciplina a quem ama [...] Deus nos disciplina para o nosso bem, para que participemos da sua santidade. Nenhuma disciplina parece ser motivo de alegria no momento, mas sim de tristeza. Mais tarde, porém, produz fruto de justiça e paz para aqueles que por ela foram exercitados”(Hb 12.6,10,11). Nem toda disciplina serve para nos corrigir quando cometemos pecados; Deus pode permiti-la para o nosso fortalecimento, a fim de que possamos ganhar mais capacidade de confiar nele e de resistir ao pecado no desafiador caminho da obediência. Vemos isso claramente na vida de Jesus, que, mesmo sendo sem pecado, todavia “ aprendeu a obedecer por meio daquilo que sofreu” (Hb 5.8). Ele foi aperfeiçoado “mediante o sofrimento” (Hb 2.10). Portanto, devemos ver toda fadiga e sofrimento que nos acontece na vida como algo que Deus nos traz para o nosso bem, para o fortalecimento de nossa confiança nele, para nossa obediência a ele e, em última instância, para aumentar nossa capacidade de glorificá-lo.

O entendimento de que a morte não é de modo algum a punição pelo pecado, mas simplesmente algo que Deus nos faz passar a fim de tornar-nos mais parecidos com Cristo, deve servir de grande encorajamento para nós. Esse entendimento deve retirar de nós todo o temor da morte que assalta a mente dos crentes (cf. Hb 2.15). Todavia, embora Deus venha anos fazer um bem por meio do processo da morte, devemos ainda lembrar que a morte não é natural, não é uma coisa boa e, no mundo criado por Deus, ela é algo que não deveria existir. Ela é uma inimiga — algo que Cristo finalmente vai destruir (1Co 15.26).

4. Nossa obediência a Deus é mais importante que preservar a vida.

Se Deus usa a experiência da morte para aprofundar a confiança nele e para fortalecer nossa obediência a ele, então é importante que nos lembremos de que o alvo de preservar a vida neste mundo a qualquer custo não é o alvo maior para o cristão: a obediência a Deus e a fidelidade a ele em todas as circunstâncias são coisas muito mais importantes. Essa é a razão pela qual Paulo pôde dizer:

“Estou pronto não apenas para ser amarrado, mas também para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus” (At 21.13; cf. 25.11). Ele disse aos presbíteros de Éfeso: “Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus” (At 20.24). Quando Paulo estava em prisão, não sabendo se morreria ali ou se sairia vivo, ainda pôde dizer: “Aguardo ansiosamente e espero que em nada serei envergonhado. Ao contrário, com toda a determinação de sempre, também agora Cristo serei engrandecido em meu corpo, quer pela vida, quer pela morte” (Fp 1.20).

A persuasão de que podemos honrar ao Senhor mesmo na morte e de que a fidelidade a ele é muito mais importante que preservar nossa vida deu coragem e motivação aos mártires no decorrer de toda a história da igreja. Quando confrontados com a escolha entre preservar a própria vida e pecar ou abrir mão da própria vida e ser fiel, escolhiam abrir mão da própria vida: “diante da morte, não amaram a própria vida” (Ap 12.11). Mesmo em tempos em que há pouca perseguição e pouca coisa semelhante ao martírio, seria bom fixarmos essa verdade em nossa mente de uma vez por todas, pois, se desejarmos abrir mão até mesmo de nossa vida por fidelidade a Deus, veremos que é muito mais fácil abrir mão de qualquer outra coisa por causa de Cristo.

O que devemos pensar sobre nossa morte e a morte dos outros?

1. Nossa própria morte.

O NT nos encoraja a ver a própria morte não com temor, mas com alegria pela perspectiva de partir e estar com Cristo. Paulo diz: “Temos, pois, confiança e preferimos estar ausentes do corpo e habitar com o Senhor” (2Co 5.8). Quando está na prisão, não sabendo se seria executado ou se seria solto, ele pode dizer: “porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Caso continue vivendo no corpo, terei fruto do meu trabalho. E já não sei o que escolher! Estou pressionado dos dois lados: desejo partir e estar com Cristo, o que é muito melhor” (Fp 1.21-23).

Também lemos as palavras de João no Apocalipse: “Então ouvi uma voz dos céus dizendo: ‘Escreva: Felizes os mortos que morrem no Senhor de agora em diante'. Diz o Espírito: ‘Sim, eles descansarão das suas fadigas, pois as suas obras os seguirão” (Ap 14.13).

Os crentes, portanto, não precisam ter medo de morrer, porque a Escritura nos assegura de que nem mesmo a morte “será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.39; cf. Sl 23.4). De fato, Jesus morreu para libertar “aqueles que durante toda a vida estiveram escravizados pelo medo da morte” (Hb 2.15). Esse versículo nos lembra de que, quando falamos de maneira clara sobre nossa ausência de temor da morte, isso proporciona um forte testemunho para pessoas idosas que tentam evitar falar sobre a morte e que não possuem nenhuma resposta para ela.

2. A morte de parentes e amigos cristãos.

Embora aguardemos o tempo de nossa própria morte com a expectativa alegre de estar na presença de Cristo, nossa atitude será um tanto diferente quando experimentarmos a morte de amigos crentes e parentes. Nesses casos, experimentaremos a tristeza genuína — mas mesclada com alegria porque eles foram estar com o Senhor.

Não é errado expressar a tristeza real pela perda da comunhão com os nossos amados que morrem e também tristeza pelo sofrimento e angústia que eles possam ter experimentado antes de morrer. Às vezes os cristãos pensam que mostram falta de fé se lamentam profundamente por um irmão na fé que morreu. Mas a Escritura não dá apoio a essa ideia, porque, quando Estêvão foi apedrejado, lemos : “Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram por ele grande lamentação” (At 8.2). Certamente não houve nenhuma falta de fé por parte de ninguém pelo fato de Estêvão estar no céu experimentando grande alegria na presença do Senhor. Todavia, a tristeza daqueles homens piedosos mostrou o genuíno pesar que sentiram com a perda da comunhão de quem amavam, e não foi errado expressá-la — foi correto! Mesmo Jesus, diante da tumba de Lázaro, “chorou” (Jo 11.35), experimentando tristeza pelo fato de Lázaro ter morrido e por suas irmãs e outras pessoas estarem experimentando tristeza, bem como também, sem dúvida, pelo fato de que havia morte no mundo, pois, em última instância, a morte é antinatural e não deveria estar no mundo criado por Deus.

Não obstante, a tristeza que sentimos pela morte de nossos queridos está claramente misturada com esperança e alegria. Paulo não diz aos tessalonicenses que eles não deveriam de forma alguma sentir aflição por causa dos seus amados que haviam morrido, mas ele escreve:

“Irmãos, não queremos que vocês sejam ignorantes quanto aos que dormem, para que não se entristeçam como os outros que não têm esperança” (lTs 4.13). Eles não deviam se entristecer do mesmo modo, com o mesmo desespero amargo, como acontece com os descrentes. Mas certamente eles se entristeceriam. Ele lhes assegura que Cristo “morreu por nós para que, quer estejamos acordados quer dormindo, vivamos unidos a ele” (lTs 5.10) e, desse modo, ele os encoraja dizendo que os que morrem vão estar com o Senhor. Essa é a razão por que a Escritura pode dizer: “Felizes os mortos que morrem no Senhor [...] eles descansarão das suas fadigas, pois as suas obras os seguirão” (Ap 14.13). De fato, a Escritura mesmo nos diz: “O SENHOR vê com pesar a morte de seus fiéis” (S1 116.15).

Portanto, embora tenhamos genuína tristeza quando amigos e parentes cristãos morrem, podemos dizer com a Escritura: “‘Onde está, á morte, a sua vitória? Onde está, ó morte, o seu aguilhão?' [...] Mas graças a Deus, que nos dá a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo (lCo 15.55,57). Ainda que choremos, nosso choro deve ser misturado com adoração a Deus e ações de graças pela vida dos queridos que morreram.

3. A morte dos descrentes.

Quando os descrentes morrem, a dor que sentimos não está misturada com a alegria da segurança de que eles foram estar com o Senhor para sempre. Essa dor, especialmente em relação àqueles com quem estivemos bastante ligados, é muito profunda e real. Paulo, ao pensar a respeito de alguns de seus irmãos judeus que haviam rejeitado Cristo, disse: “Digo a verdade em Cristo, não minto; minha consciência o confirma no Espírito Santo: tenho grande tristeza e constante angústia em meu coração. Pois eu até desejaria ser 5 amaldiçoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de minha raça” (Rm 9.1- 3).

Deve ser dito ainda que muitas vezes não temos certeza absoluta de que uma pessoa persistiu ate a morte em sua rejeição a Cristo. O conhecimento da morte iminente que uma pessoa tem vai com freqüência produzir uma sondagem genuína do coração por parte da pessoa que está à morte, e às vezes as palavras da Escritura ou palavras de testemunho cristão que foram ouvidas muito tempo atrás serão lembradas, podendo levar ao arrependimento e fé genuínos. Certamente não temos qualquer certeza de que isso aconteceu a menos que haja uma evidência explícita disso, mas também é salutar perceber que em muitos casos temos um conhecimento provável, mas não absoluto de que aqueles a quem conhecemos como descrentes persistiram em sua incredulidade até a morte. Em alguns casos simplesmente não sabemos.

Não obstante, após a morte de um não-cristão certamente seria errado fornecer qualquer indicação a outros de que pensamos que tal pessoa foi para o céu. Isso seria simplesmente fornecer uma informação errônea e uma segurança falsa e diminuiria a urgência da necessidade dos que ainda estão vivos de confiar em Cristo. É muito melhor, em tais ocasiões, à medida que Deus proporciona oportunidade, gastar tempo para refletir sobre nossa vida e nosso destino e ainda partilhar o evangelho com outras. De fato, as ocasiões em que somos capazes de falar como amigos aos amados de um descrente que morreu são muitas vezes as oportunidades que o Senhor abre para falarmos a respeito do evangelho com os que ainda estão vivos.