29 de jun. de 2020

Salmos 2. (W. Wiersbe)

O Salmo 1 enfatiza a lei de Deus, enquanto o Salmo 2 concentra-se na profecia. As pessoas no Salmo 1 se comprazem com a lei, mas as pessoas do Salmo 2 desafiam a lei. O Salmo 1 começa com uma bem-aventurança e o Salmo 2 termina com uma bem aventurança. 

O Novo Testamento não cita o Salmo 1 em momento algum, mas cita ou faz mais alusões ao Salmo 2 do que a qualquer outro salmo - usando-o em pelo menos dezoito ocasiões (ver Mt 3:17; 7:23; 17:5; Mc 1:11; 9:7; Lc 3:22; 9:35; Jo 1:49; At 4:25, 26; 13:33; Fp 2:12; Hb 1:2, 5; 5:5; Ap 2:26, 27; 11:18; 12:5; 19:1 5). Trata-se de um salmo messiânico, assim como os Salmos 8, 16, 22, 23, 40, 41, 45, 68, 69, 102, 110 e 118. Para que um salmo seja considerado messiânico, ele deve ser citado no Novo Testamento com referência a Jesus (Lc 24:27, 44). No entanto, o Salmo 2 também é um salmo real, pois trata da coroação de um rei de Israel e da rebelião de algumas nações vassalas que desejavam se libertar. Os Salmos 18, 20, 21, 45 (um casamento real), 72, 89, 101, 110 e 144 também são salmos reais. De acordo com Atos 4:25, este salmo foi escrito por Davi, de modo que é possível ser decorrente dos acontecimentos relatados em 2 Samuel 5:17-25, 8:1-14 e 10:1-19.

Israel foi governado diretamente pelo Senhor, por meio de profetas e de juízes, até que a nação pediu um rei (1 Sm 8). O Senhor sabia que isso aconteceria (Gn 17:6, 16; 35:11; Nm 24:7, 1 7) e fez todos os preparativos (Dt 17:14-12). Saul não foi escolhido para fundar uma dinastia, pois o rei viria da tribo de Judá (Gn 49:10), e Saul era da tribo de Benjamim. Davi era o homem que Deus havia escolhido para instituir a dinastia que, a seu tempo, daria ao mundo o Messias (2 Sm 7). Porém, o Salmo 2 e 2 Samuel 7 vão muito além de Davi e de seus sucessores, pois tanto a aliança quanto o salmo falam de um reino universal e de um trono estabelecido para sempre - um reinado que só pode se cumprir em Jesus Cristo, o Filho de Davi (Mt 1:1). Alguns salmos são feitos para serem vistos (114, 130, 133), outros, para serem sentidos (22, 129, 137, 142), mas este é para ser ouvido, pois é o registro de quatro vozes. 

1. Conspiração - A voz das nações (S l 2:1-3). Ao fazer essa pergunta, Davi não espera uma resposta, pois na realidade não existe resposta. Trata-se, antes, de uma expressão de admiração: "Ao pensar em tudo o que o Senhor fez pelas nações, como foram capazes de rebelar-se contra ele!" Deus havia suprido suas necessidades básicas (At 14:15-17), guiado, guardado com vida e enviado um Salvador para oferecer perdão e vida eterna (At 1 7:24-31; ver Dn 4:32). No entanto, desde a torre de Babel (Gn 11) até a crucificação de Cristo (At 4:21-31) e o Armagedom (Ap 19:11 ss), a Bíblia registra as rebeliões tolas e inúteis da humanidade contra a vontade do Criador. Os reis e outros governantes menores formam uma conspiração para romper os vínculos que o Senhor havia estabelecido para o próprio bem deles. Vemos aqui o retrato de um animal obstinado e enfurecido, tentando romper as amarras que prendem o jugo a seu corpo (Jr 5:5; 27:2). 

Porém, suas tentativas são fúteis (vãs), pois a liberdade verdadeira só pode ser encontrada quando nos sujeitamos a Deus e fazemos a sua vontade. Liberdade sem autoridade é anarquia, e a anarquia é destrutiva. Certa vez, vi uma pichação que dizia: "Toda autoridade destrói a criatividade!" Que tremenda asneira! É justamente a autoridade que libera e desenvolve a criatividade, quer seja a de um músico, de um atleta ou de um cirurgião. Sem a sujeição à autoridade da verdade e da lei, é impossível haver criatividade verdadeira. O teólogo inglês P. T. Forsythe escreveu: "A primeira obrigação de toda alma não é encontrar sua liberdade, mas sim seu Senhor". Porém, essas nações não estão se rebelando contra "Deus" num sentido abstrato; estão desafiando o Messias, Jesus Cristo, o Filho de Deus. A única coisa sobre a qual essas nações concordam entre si é: "Não queremos que este reine sobre nós" (Lc 19:14). O termo "Messias" vem de uma palavra hebraica que significa "ungir"; o equivalente em grego é "Cristo". No Antigo Testamento, costumava-se ungir os reis (1 Sm 10:1; 2 Rs 11:12) e também os profetas (1 Rs 9:16) e sacerdotes (Êx 28:41). Jesus disse que o mundo o odiava e que também odiaria aqueles que o seguissem (Jo 7:7, 15, 18, 19, 24, 25; Mt 24:9; Lc 21:1 7). O verbo "levantar", no versículo 2, significa "preparar-se para a guerra". As conseqüências dessa rebeldia contra o Senhor e seu Cristo são descritas em Romanos 1:18 ss e não são nada agradáveis. 

2. Zombaria - A voz de Deus, o Pai (S l 2:4-6). A cena tranquila no céu é um contraste e tanto com a cena turbulenta na terra, pois Deus não está preocupado nem com medo dos homens insignificantes que se enfurecem contra ele. Simplesmente ri deles com menosprezo (37:8-13; 59:1-9). Afinal, para Deus, até os maiores governantes não passam de grama a ser cortada; as nações mais poderosas são apenas gotas num balde (Is 40:6-8, 12-1 7). Nos dias de hoje, Deus está falando às nações em sua graça e as está chamando a crer em seu Filho. Um dia, porém, Deus lhes falará em sua ira e enviará julgamentos terríveis sobre o mundo (Ap 6 - 19). Se as pessoas não aceitarem o julgamento de Deus pelo pecado na cruz e crerem em Cristo, terão de aceitar o julgamento de Deus sobre si próprias e seus pecados. 

Foi Deus quem deu o trono em Sião a Davi e foi Deus quem lhe deu vitórias subsequentes em suas batalhas contra os inimigos de Israel. No entanto, isso tudo é apenas o retrato de uma coroação ainda maior: Deus declara que existe apenas um verdadeiro Rei, seu Filho, que se encontra assentado no trono de glória (Mc 16:19; 1 Co 15:25; Ef 1:19-23). Jesus Cristo é Rei e Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 5:5, 6: 7:1 ss). Hoje, Israel não tem rei (Os 3:4), mas há um Rei entronizado na cidade celestial de Sião (Hb 12:22-24). É impossível compreender a mensagem desse salmo sem identificar nele a presença de Jesus Cristo: sua morte (vv. 1-3, At 4:23-28), sua ressurreição (v. 7, At 13:33), sua ascensão, sua entronização em glória (v. 6), sua volta e seu reino de justiça sobre a Terra (vv. 8, 9, Ap 2:9, 27; 12:5). 

3. Vitória - A voz de Deus, o Filho (Sl. 2:7-9). Quem fala agora é o Rei entronizado, e ele anuncia o que o Pai lhe disse. A declaração "Proclamarei o decreto" informa os rebeldes de que Deus governa sobre sua criação por meio de decretos soberanos. Não pede um consenso nem faz uma votação. Os decretos de Deus são justos (7:6), e ele nunca erra. De acordo com Atos 13:33, o versículo 7 refere-se à ressurreição de Cristo, quando foi "gerado" da sepultura e surgiu em glória (ver Rm 1:4; Hb 1:5 e 5:5). No antigo Oriente Próximo, os reis eram considerados filhos dos deuses, mas Jesus Cristo é, verdadeiramente, o Filho de Deus (ver 89:26, 27; 2 Sm 7:14). No batismo de Jesus, o Pai fez alusão ao versículo 7 e anunciou que Jesus era o seu Filho amado (Mt 3:1 7; Mc 1:11; Lc 3:22). 

O Pai prometeu ao Filho vitória absoluta sobre as nações, o que significa que, um dia, ele governará sobre todos os reinos do mundo. Satanás lhe ofereceu essa honra em troca de sua adoração, mas Jesus recusou (Mt 4:8-11). O governo de Cristo será justo, porém firme, e se as nações lhe fizerem frente, ele as esmagará como vasos de barro. Na antiguidade, antes de sair para a batalha, os reis do Oriente costumavam participar de um ritual no qual se quebravam vasos de barro que simbolizavam o exército inimigo, garantindo, desse modo, a ajuda dos deuses para derrotá-los. Jesus não precisa desses rituais tolos, pois esmaga o inimigo completamente (Ap 19:11 ss; Dn 2:42-44). Jesus é Deus, Jesus é Rei e Jesus é Conquistador. 

4. Oportunidade - A voz do Espírito Santo (Sl. 2:10-12). Diante do decreto do Pai e do julgamento prometido, bem como da entronização vitoriosa do Filho no céu, a coisa mais sábia a fazer é se entregar a Cristo e crer nele. Hoje, o Espírito de Deus fala à humanidade e roga aos pecadores que se arrependam e se voltem para o Salvador. 

Observe que, nos versículos 10 e 11, o Espírito fala primeiro aos reis e líderes e depois, no versículo 12, se dirige a "todos", instando-os a crer no Filho. O Espírito começa seu apelo com os líderes mundiais, pois estes devem prestar contas a Deus pela forma como governam o mundo (Rm 13). Um dos principais motivos de o povo estar enfurecido contra Deus é que toda essa gente foi incitada por seus líderes. São ignorantes, pois seguem a sabedoria deste mundo e não a sabedoria que vem de Deus (1 Co 1:18- 31). Orgulham-se daquilo que pensam saber, mas na verdade não sabem coisa alguma sobre as verdades eternas. Como podem aprender? O versículo 10 aconselha: "Deixai-vos advertir" pela Palavra de Deus, sendo que o verbo advertir, nesse caso, também pode significar "instruir". Quanta bondade do Senhor salvar os pecadores antes de revelar sua ira! 

Uma vez que o Espírito instruiu a mente, apela para a vontade e chama os rebeldes a servir ao Senhor e a deixar seus pecados (v. 11). Os verdadeiros cristãos sabem o que significa ter um coração cheio de temor e, ao mesmo tempo, de alegria. O amor pelo Senhor lança fora todo o medo pecaminoso (1 Jo 4:18), mas aperfeiçoa o temor piedoso. Amamos nosso Pai, mas, ainda assim, respeitamos sua autoridade. O terceiro apelo é dirigido ao coração e pede amor submisso pelo Rei. No mundo antigo, os governantes vassalos demonstravam submissão a seu rei beijando a mão ou a face dele. Judas beijou Jesus no jardim, mas foi um gesto sem qualquer significado verdadeiro. Trata-se aqui do beijo da submissão e, até mesmo, da reconciliação. O Espírito encerra com uma palavra de advertência e uma palavra de bênção. A advertência é que esse Rei amoroso também pode irar-se e revelar seu santo furor súbita e inadvertidamente (1 Ts 5:1-4). O tema da ira é relacionado ao Pai (v. 5) e ao Filho (vv. 9, 12).5 

O Salmo 1 começa com a designação "bem-aventurado", e o Salmo 2 encerra com a bem-aventurança prometida a todos os que creem no Filho de Deus, promessa que continua em vigor (Jo 3:16-18; 20:31).

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