24 de dez. de 2021

O Paradoxo da Salvação (Felipe Azevedo)

 Entregar a vida a Cristo Jesus e experimentar viver por Ele e para Ele é um grande paradoxo. Um paradoxo é algo que parece contraditório, algo que esconde um sentido misterioso não observável apenas superficialmente. A Salvação é um paradoxo no sentido de que é algo ao mesmo tempo muito simples e, por outro, extremamente difícil. Tão difícil que somente uma intervenção divina pode torná-la possível.

  A parte simples deste paradoxo se encontra no fato de que só é requerido do homem uma única coisa para que ele seja salvo: fé. Ou seja, nada de sistemas ritualísticos, obediência à ordenanças específicas, iniciações em esferas espirituais nem sacrifícios enormes. Apenas fé. Esta fé é o instrumento usado para receber a graça. Não se trata, portanto, de uma virtude prévia do pecador. É tão somente a ação do perdido em resposta ao chamado da graça. São as mãos que se estendem para segurar. Neste sentido, todo homem está apto para receber a salvação - assim como pode estender suas mãos - responde ao chamado da graça com fé. Esta fé é a única e plena parte humana na experiência salvífica: "Filha, a tua fé te salvou" (Mc 5:34)

  A parte difícil e complexa deste paradoxo é que, apesar da gratuidade deste maravilhoso chamado ao relacionamento com Deus através do Filho, os homens o recusam para sua própria ruína. O grande vilão de sua destruição é ele mesmo, devido o seu orgulho. No centro da mensagem da salvação encontramos a verdade de que não somente não PODEMOS nos salvar, mas não PRECISAMOS. Deus é quem poderia fazê-lo e o fez. "Nada em minhas mãos eu trago, mas somente à tua cruz me agarro", diz um trecho de um antigo hino. Esta é a grande realidade humana. 

Portanto, por incrível que pareça, o fato de Deus oferecer uma salvação total e gratuita, ao invés de encorajar os homens em obtê-la, tornou-se um obstáculo intransponível para muitos deles. Na história de Naamã, o Siro, talvez se encontre a passagem que melhor ilustra essa verdade:

"Então, se chegaram a ele os seus oficiais e lhe disseram: Meu pai, se te houvesse dito o profeta alguma coisa difícil, acaso, não a farias? Quanto mais, já que apenas te disse: Lava-te e ficarás limpo."

  

4 de jul. de 2020

As duas Graças. (Felipe Azevedo)

Neste pequeno artigo quero propor uma pequena (mas não pouco importante) distinção entre a graça que chamamos de "salvadora" e a graça "comum". Quero fazê-lo com um intuito em particular: tornar claro que toda e qualquer manifestação de justiça humana provém de Deus.

A importância dessa distinção é clarear aquela velha e pertinente questão: se um não cristão, ou até ANTI cristão, manifesta aquela justiça requerida aos cristão, isso não seria uma prova de sua aceitação perante Deus? Ou ainda: se alguém que não frequenta a igreja, não ora, não participa dos sacramentos, enfim, não é alguém assumidamente religioso, mas pratica as mesmas obras por outros motivos, não teria este a mesma aceitação diante do tribunal de Deus?

Bem, respondendo de maneira enfática as perguntas, a resposta é NÃO. Vamos às justificativas e uma breve explicação de cada uma destas "graças". 

Em primeiro lugar a graça comum. Chamamos esta benevolência divina de "comum" no sentido de que ela se manifesta "a todos os homens indistintamente". A bondade divina de fato alcança todos os homens de várias formas. Afinal de contas, toda a justiça, misericórdia, generosidade, amor, compaixão fluem de onde? Antes destas virtudes terem qualquer grau de influência no coração humano, elas vêm naturalmente do alto. Assim ensina Tiago: 

Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.

Portanto, Deus sempre é o maior interessado em promover o bem nos homens e entre os homens. Não há do que se gloriar diante de Deus. Através de leis, governos, arte, literatura, a natureza, a sabedoria contida na natureza, enfim, tantas quantas são possíveis de imaginar, são as formas ordinárias pelo qual Deus manifesta este zelo pela verdadeira justiça e bondade, apesar da resistência e violação humana.

Por vezes vemos homens se vangloriando destas virtudes como se partisse de nós mesmos tais coisas, quando na verdade o que é próprio da humanidade em geral, quando unidos ou em particular, é a manifestação da maldade. O que nós vemos constantemente é a violação da ordem natural e daquela moral intrínseca plantada por Deus no homem. Tudo o que é bom, portanto, em nós, provém dEle, e para Ele deveria ser oferecido em louvor e gratidão.

Por outro lado, quando tratamos da graça "salvadora", queremos dizer uma manifestação da misericórdia que nem todos os homens vem a experimentar. Esta graça é oferecida a todos, mas derramada sobre os fiéis. A Bíblia diz: "Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crer, não pereça, mas tenha vida eterna" (João 3:16). Esta graça produzirá no homem a natureza de Deus a partir do seu Espírito. Uma graça de dentro para fora. Extraordinária. Reproduzindo o caráter de Deus no homem caído. Passamos a "gerar" essa graça através de Cristo. É um recomeço.

Veja que há algumas semelhanças entre estas duas graças. Primeiro, ambas fluem de Deus para o homem. Segundo, procuram o bem do homem, a comunhão e o louvor de Deus. Terceiro, não dão espaço para vanglória humana; se na comum não havia, muito menos na salvadora. Porém, existem algumas diferenças fundamentais entre elas. Primeiro, como já dissemos, na comum todos os homens desfrutam, na salvadora apenas os fiéis. Segundo, na graça comum Deus abençoa por meio da ordem natural deste mundo, na salvadora por meio da Palavra, do Filho e do Espírito Santo. Terceiro, na graça comum os homens manifestam virtudes naturais, insuficientes para justifica-los; na salvadora, os fiéis manifestam o fruto do Espírito, evidências da justificação pela fé.

Portanto, um homem pode desfrutar da graça comum de Deus durante toda sua vida, sem desfrutar da graça salvadora. A maioria de nós somos como o "filho pródigo", usamos as riquezas do Pai para nosso próprio deleite, desperdiçando todas as bençãos de ordem natural com o pecado. Quando somos alcançados pela graça salvadora em Jesus, passamos não somente a usufruir de maneira espiritual a graça comum, mas experimentamos a "vida eterna", que não tem um sentido primário de "quantidade de vida", mas sim de "qualidade de vida". Uma vida reconciliada com Deus. Um relacionamento vivo e verdadeiro.

Precisamos buscar essa graça salvadora para podermos verdadeiramente usufruir da aceitação e comunhão com Deus. Para verdadeiramente ver a existência com a ótica divina. E isso somente é possível por meio do Filho de Deus, que nós dá o seu Espírito. Creia hoje, viva eternamente. 

29 de jun. de 2020

Salmos 2. (W. Wiersbe)

O Salmo 1 enfatiza a lei de Deus, enquanto o Salmo 2 concentra-se na profecia. As pessoas no Salmo 1 se comprazem com a lei, mas as pessoas do Salmo 2 desafiam a lei. O Salmo 1 começa com uma bem-aventurança e o Salmo 2 termina com uma bem aventurança. 

O Novo Testamento não cita o Salmo 1 em momento algum, mas cita ou faz mais alusões ao Salmo 2 do que a qualquer outro salmo - usando-o em pelo menos dezoito ocasiões (ver Mt 3:17; 7:23; 17:5; Mc 1:11; 9:7; Lc 3:22; 9:35; Jo 1:49; At 4:25, 26; 13:33; Fp 2:12; Hb 1:2, 5; 5:5; Ap 2:26, 27; 11:18; 12:5; 19:1 5). Trata-se de um salmo messiânico, assim como os Salmos 8, 16, 22, 23, 40, 41, 45, 68, 69, 102, 110 e 118. Para que um salmo seja considerado messiânico, ele deve ser citado no Novo Testamento com referência a Jesus (Lc 24:27, 44). No entanto, o Salmo 2 também é um salmo real, pois trata da coroação de um rei de Israel e da rebelião de algumas nações vassalas que desejavam se libertar. Os Salmos 18, 20, 21, 45 (um casamento real), 72, 89, 101, 110 e 144 também são salmos reais. De acordo com Atos 4:25, este salmo foi escrito por Davi, de modo que é possível ser decorrente dos acontecimentos relatados em 2 Samuel 5:17-25, 8:1-14 e 10:1-19.

Israel foi governado diretamente pelo Senhor, por meio de profetas e de juízes, até que a nação pediu um rei (1 Sm 8). O Senhor sabia que isso aconteceria (Gn 17:6, 16; 35:11; Nm 24:7, 1 7) e fez todos os preparativos (Dt 17:14-12). Saul não foi escolhido para fundar uma dinastia, pois o rei viria da tribo de Judá (Gn 49:10), e Saul era da tribo de Benjamim. Davi era o homem que Deus havia escolhido para instituir a dinastia que, a seu tempo, daria ao mundo o Messias (2 Sm 7). Porém, o Salmo 2 e 2 Samuel 7 vão muito além de Davi e de seus sucessores, pois tanto a aliança quanto o salmo falam de um reino universal e de um trono estabelecido para sempre - um reinado que só pode se cumprir em Jesus Cristo, o Filho de Davi (Mt 1:1). Alguns salmos são feitos para serem vistos (114, 130, 133), outros, para serem sentidos (22, 129, 137, 142), mas este é para ser ouvido, pois é o registro de quatro vozes. 

1. Conspiração - A voz das nações (S l 2:1-3). Ao fazer essa pergunta, Davi não espera uma resposta, pois na realidade não existe resposta. Trata-se, antes, de uma expressão de admiração: "Ao pensar em tudo o que o Senhor fez pelas nações, como foram capazes de rebelar-se contra ele!" Deus havia suprido suas necessidades básicas (At 14:15-17), guiado, guardado com vida e enviado um Salvador para oferecer perdão e vida eterna (At 1 7:24-31; ver Dn 4:32). No entanto, desde a torre de Babel (Gn 11) até a crucificação de Cristo (At 4:21-31) e o Armagedom (Ap 19:11 ss), a Bíblia registra as rebeliões tolas e inúteis da humanidade contra a vontade do Criador. Os reis e outros governantes menores formam uma conspiração para romper os vínculos que o Senhor havia estabelecido para o próprio bem deles. Vemos aqui o retrato de um animal obstinado e enfurecido, tentando romper as amarras que prendem o jugo a seu corpo (Jr 5:5; 27:2). 

Porém, suas tentativas são fúteis (vãs), pois a liberdade verdadeira só pode ser encontrada quando nos sujeitamos a Deus e fazemos a sua vontade. Liberdade sem autoridade é anarquia, e a anarquia é destrutiva. Certa vez, vi uma pichação que dizia: "Toda autoridade destrói a criatividade!" Que tremenda asneira! É justamente a autoridade que libera e desenvolve a criatividade, quer seja a de um músico, de um atleta ou de um cirurgião. Sem a sujeição à autoridade da verdade e da lei, é impossível haver criatividade verdadeira. O teólogo inglês P. T. Forsythe escreveu: "A primeira obrigação de toda alma não é encontrar sua liberdade, mas sim seu Senhor". Porém, essas nações não estão se rebelando contra "Deus" num sentido abstrato; estão desafiando o Messias, Jesus Cristo, o Filho de Deus. A única coisa sobre a qual essas nações concordam entre si é: "Não queremos que este reine sobre nós" (Lc 19:14). O termo "Messias" vem de uma palavra hebraica que significa "ungir"; o equivalente em grego é "Cristo". No Antigo Testamento, costumava-se ungir os reis (1 Sm 10:1; 2 Rs 11:12) e também os profetas (1 Rs 9:16) e sacerdotes (Êx 28:41). Jesus disse que o mundo o odiava e que também odiaria aqueles que o seguissem (Jo 7:7, 15, 18, 19, 24, 25; Mt 24:9; Lc 21:1 7). O verbo "levantar", no versículo 2, significa "preparar-se para a guerra". As conseqüências dessa rebeldia contra o Senhor e seu Cristo são descritas em Romanos 1:18 ss e não são nada agradáveis. 

2. Zombaria - A voz de Deus, o Pai (S l 2:4-6). A cena tranquila no céu é um contraste e tanto com a cena turbulenta na terra, pois Deus não está preocupado nem com medo dos homens insignificantes que se enfurecem contra ele. Simplesmente ri deles com menosprezo (37:8-13; 59:1-9). Afinal, para Deus, até os maiores governantes não passam de grama a ser cortada; as nações mais poderosas são apenas gotas num balde (Is 40:6-8, 12-1 7). Nos dias de hoje, Deus está falando às nações em sua graça e as está chamando a crer em seu Filho. Um dia, porém, Deus lhes falará em sua ira e enviará julgamentos terríveis sobre o mundo (Ap 6 - 19). Se as pessoas não aceitarem o julgamento de Deus pelo pecado na cruz e crerem em Cristo, terão de aceitar o julgamento de Deus sobre si próprias e seus pecados. 

Foi Deus quem deu o trono em Sião a Davi e foi Deus quem lhe deu vitórias subsequentes em suas batalhas contra os inimigos de Israel. No entanto, isso tudo é apenas o retrato de uma coroação ainda maior: Deus declara que existe apenas um verdadeiro Rei, seu Filho, que se encontra assentado no trono de glória (Mc 16:19; 1 Co 15:25; Ef 1:19-23). Jesus Cristo é Rei e Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 5:5, 6: 7:1 ss). Hoje, Israel não tem rei (Os 3:4), mas há um Rei entronizado na cidade celestial de Sião (Hb 12:22-24). É impossível compreender a mensagem desse salmo sem identificar nele a presença de Jesus Cristo: sua morte (vv. 1-3, At 4:23-28), sua ressurreição (v. 7, At 13:33), sua ascensão, sua entronização em glória (v. 6), sua volta e seu reino de justiça sobre a Terra (vv. 8, 9, Ap 2:9, 27; 12:5). 

3. Vitória - A voz de Deus, o Filho (Sl. 2:7-9). Quem fala agora é o Rei entronizado, e ele anuncia o que o Pai lhe disse. A declaração "Proclamarei o decreto" informa os rebeldes de que Deus governa sobre sua criação por meio de decretos soberanos. Não pede um consenso nem faz uma votação. Os decretos de Deus são justos (7:6), e ele nunca erra. De acordo com Atos 13:33, o versículo 7 refere-se à ressurreição de Cristo, quando foi "gerado" da sepultura e surgiu em glória (ver Rm 1:4; Hb 1:5 e 5:5). No antigo Oriente Próximo, os reis eram considerados filhos dos deuses, mas Jesus Cristo é, verdadeiramente, o Filho de Deus (ver 89:26, 27; 2 Sm 7:14). No batismo de Jesus, o Pai fez alusão ao versículo 7 e anunciou que Jesus era o seu Filho amado (Mt 3:1 7; Mc 1:11; Lc 3:22). 

O Pai prometeu ao Filho vitória absoluta sobre as nações, o que significa que, um dia, ele governará sobre todos os reinos do mundo. Satanás lhe ofereceu essa honra em troca de sua adoração, mas Jesus recusou (Mt 4:8-11). O governo de Cristo será justo, porém firme, e se as nações lhe fizerem frente, ele as esmagará como vasos de barro. Na antiguidade, antes de sair para a batalha, os reis do Oriente costumavam participar de um ritual no qual se quebravam vasos de barro que simbolizavam o exército inimigo, garantindo, desse modo, a ajuda dos deuses para derrotá-los. Jesus não precisa desses rituais tolos, pois esmaga o inimigo completamente (Ap 19:11 ss; Dn 2:42-44). Jesus é Deus, Jesus é Rei e Jesus é Conquistador. 

4. Oportunidade - A voz do Espírito Santo (Sl. 2:10-12). Diante do decreto do Pai e do julgamento prometido, bem como da entronização vitoriosa do Filho no céu, a coisa mais sábia a fazer é se entregar a Cristo e crer nele. Hoje, o Espírito de Deus fala à humanidade e roga aos pecadores que se arrependam e se voltem para o Salvador. 

Observe que, nos versículos 10 e 11, o Espírito fala primeiro aos reis e líderes e depois, no versículo 12, se dirige a "todos", instando-os a crer no Filho. O Espírito começa seu apelo com os líderes mundiais, pois estes devem prestar contas a Deus pela forma como governam o mundo (Rm 13). Um dos principais motivos de o povo estar enfurecido contra Deus é que toda essa gente foi incitada por seus líderes. São ignorantes, pois seguem a sabedoria deste mundo e não a sabedoria que vem de Deus (1 Co 1:18- 31). Orgulham-se daquilo que pensam saber, mas na verdade não sabem coisa alguma sobre as verdades eternas. Como podem aprender? O versículo 10 aconselha: "Deixai-vos advertir" pela Palavra de Deus, sendo que o verbo advertir, nesse caso, também pode significar "instruir". Quanta bondade do Senhor salvar os pecadores antes de revelar sua ira! 

Uma vez que o Espírito instruiu a mente, apela para a vontade e chama os rebeldes a servir ao Senhor e a deixar seus pecados (v. 11). Os verdadeiros cristãos sabem o que significa ter um coração cheio de temor e, ao mesmo tempo, de alegria. O amor pelo Senhor lança fora todo o medo pecaminoso (1 Jo 4:18), mas aperfeiçoa o temor piedoso. Amamos nosso Pai, mas, ainda assim, respeitamos sua autoridade. O terceiro apelo é dirigido ao coração e pede amor submisso pelo Rei. No mundo antigo, os governantes vassalos demonstravam submissão a seu rei beijando a mão ou a face dele. Judas beijou Jesus no jardim, mas foi um gesto sem qualquer significado verdadeiro. Trata-se aqui do beijo da submissão e, até mesmo, da reconciliação. O Espírito encerra com uma palavra de advertência e uma palavra de bênção. A advertência é que esse Rei amoroso também pode irar-se e revelar seu santo furor súbita e inadvertidamente (1 Ts 5:1-4). O tema da ira é relacionado ao Pai (v. 5) e ao Filho (vv. 9, 12).5 

O Salmo 1 começa com a designação "bem-aventurado", e o Salmo 2 encerra com a bem-aventurança prometida a todos os que creem no Filho de Deus, promessa que continua em vigor (Jo 3:16-18; 20:31).