O
editor que colocou esta preciosidade
no começo de Salmos agiu com sabedoria, pois as palavras desse cântico indicam o caminho para a bênção e advertem
sobre o julgamento
divino - dois temas freqüentes nos Salmos.
As imagens desse salmo
lembram o leitor dos ensinamentos anteriores do Antigo Testamento. Em Gênesis, vemos pessoas caminhando com Deus (5:21,
24; 6:9; 1 7:1), o rio que dá vida (2:10-14) e
também árvores e frutos (2:8-10). A lei do
Senhor relaciona o salmo ao êxodo por meio
de Deuteronômio. Ser bem-sucedido pela
meditação dessa lei e obediência a ela nos
faz lembrar Josué 1:8. O salmo apresenta
dois caminhos: o da bênção e o do julgamento; e Israel deveria escolher um deles (Dt
30:1 5, 19). Jesus usa uma imagem semelhante (Mt 7:13, 14). A história da Bíblia parece
desenvolver-se em torno do conceito de "dois
homens": o "primeiro Adão" e o "último
Adão" (Rm 5; 1 Co 15:45) - Caim e Abel,
Ismael e Isaque, Esaú e Jacó, Davi e Saul - e
chega a seu ápice em Cristo e o Anticristo.
Dois homens, dois caminhos, dois destinos.
O Salmo 1 é um salmo de sabedoria e
trata da Palavra de Deus, das bênçãos de
Deus sobre aqueles que meditam sobre essa
Palavra e lhe obedecem e do julgamento final de Deus sobre os rebeldes. Os salmos de
sabedoria também lidam com o problema
do mal no mundo e a questão de Deus permitir a prosperidade dos perversos que
rejeitam sua lei. Os outros salmos de sabedoria são: 10, 12, 15, 19, 32, 34, 37, 49, 50,
52, 53, 73, 78, 82, 91, 92, 94, 111, 112,
119, 127, 128, 133 e 139. Apesar deste primeiro salmo retratar dois caminhos, na
verdade descreve três pessoas diferentes e
como se encontram relacionadas às bênçãos
do Senhor.
1. A PESSOA QUE RECEBE UMA BÊNÇÃO DE
DEUS (S l 1:1, 2)
A aliança de Deus com Israel deixava claro
que ele abençoaria a obediência e julgaria a
desobediência (Lv 26; Dt 28). O termo "bem-aventurado" é "asher", nome de um dos filhos
de Jacó ("Aser"; Cn 30:12). Trata-se de um
termo plural: "O, as alegrias! Ó, as bem-aventuranças!" A pessoa descrita nesse salmo cumpria os pré-requisitos e, portanto,
era abençoada por Deus. Se desejamos
as bênçãos de Deus, também precisamos
preencher certas condições.
Devemos ser dirigidos pela Palavra (v. 1).
Israel era um povo singular e separado; estava no meio das nações, mas não devia ser
contaminado por elas (Nm 23:9; Êx 19:5, 6;
Dt 32:8-10; 33:28). O mesmo se aplica ao
povo de Deus hoje: estamos no mundo mas
não somos do mundo (Jo 17:11-17). Devemos nos guardar de ter amizades com o mundo (Tg 4:4) que nos levem a ser maculados
por ele (Tg 1:27) e até mesmo a amar o mundo (1 Jo 2:1 5-1 7). O resultado será a conformação com o mundo (Rm 12:1, 2) e, se não
nos arrependermos, seremos condenados
com o mundo (1 Co 11:32). Ló olhou em
direção a Sodoma; em seguida, levantou sua
tenda voltada para Sodoma e não tardou a
mudar-se para lá (Gn 13:10-12; 14:12). Apesar de ser um homem salvo (2 Pe 2:7, 8), Ló
perdeu tudo o que tinha quando o Senhor
destruiu as cidades da planície (Gn 18 - 19;
1 Co 3:11-23). E aos poucos que mudamos
para uma situação de pecado e de desobediência (ver Pv 4:14, 15 e 7:6ss). Se seguirmos os conselhos errados, ficaremos com as
companhias erradas e, por fim, nos assentaremos com as pessoas erradas. Quando
Jesus foi preso, Pedro não seguiu o conselho
de Cristo para que fugisse do jardim (Mt
26:31; Jo 16:32; 18:8). Em vez disso, seguiu
Jesus e entrou no pátio do sacerdote. Lá,
ele ficou com os inimigos (Jo 18:15-18) e,
por fim, se assentou com eles (Lc 22:55).Em decorrência disso, negou Cristo três vezes. Os "ímpios" são pessoas deliberada e
persistentemente perversas; os "pecadores"
são aqueles que erram os alvos determinados por Deus, mas não se importam com
isso; os "escarnecedores" fazem pouco das
leis de Deus e ridicularizam aquilo que é
sagrado (ver Pv 1:22; 3:24; 21:24). Quando rir das coisas sagradas e desobedecer às
leis se torna uma forma de entretenimento, é
porque, de fato, as pessoas chegaram ao fundo do poço.
Devemos ter prazer na Palavra (v. 2). Passamos do aspecto negativo, no versículo 1,
para o positivo. O prazer na Palavra e a
meditação sobre a Palavra devem andar
juntos (119:15, 16, 23, 24, 47, 48, 77, 78),
pois pensamos sobre aquilo que nos dá prazer, e essas são as coisas que buscamos.
No hebraico, "meditar" significa "dizer em
voz baixa e suave", pois é o que os judeus
ortodoxos fazem quando leem as Escrituras, meditam e oram. A Palavra de Deus
está em sua boca (Js 1:8). Se falarmos com
o Senhor sobre a Palavra, a Palavra falará
conosco sobre o Senhor. E isso o que significa "permanecer" na Palavra (1 Jo 2:14,
24). Como povo de Deus, devemos preferir a Palavra aos alimentos (119:103; Jó
23:12; Jr 15:17; Mt 4:4; 1 Pe 2:2), ao sono
(1 19:55, 62, 147, 148, 164), às riquezas
(1 1 9:1 4, 72, 1 27, 1 62) e aos amigos
(1 19:23, 51, 95, 1 19). A maneira de tratarmos a Bíblia é a maneira de tratarmos Jesus
Cristo, pois a Bíblia é a Palavra dele para
nós. No original, os verbos do versículo 1
encontram-se no tempo perfeito e se referem a um modo de vida determinado, enquanto no versículo 2, "meditar" está no
tempo imperfeito e indica uma prática consoante. "Ele fica meditando".
2. A PESSOA QUE É UMA BÊNÇÃO (Sl 1:3)
Deus nos abençoa para que possamos abençoar a outros (Cn 12:2). Se as bênçãos ficam
conosco, as dádivas tornam-se mais importantes do que o Doador, e isso é idolatria.
Devemos nos tornar canais das bênçãos de
Deus para outros. É uma alegria receber uma
bênção, mas alegria maior ainda é ser uma bênção. "Mais bem-aventurado é dar do que
receber" (At 20:35).
A imagem da árvore aparece com freqüência nas Escrituras e simboliza tanto um reino
(Ez 17:24; Dn 4; Mt 13:32) quanto um indivíduo (52:8; 92:12-14; Pv 11:30; Is 44:4 e
58:11; Jr 17:5-8; Mt 7:15-23). Balaão considerou o povo de Israel "como cedros junto
às águas" (Nm 24:6). Assim como uma árvore, a pessoa temente a Deus é cheia de vida,
beleza e frutos e é proveitosa e duradoura.
A parte mais importante de uma árvore são
suas raízes que ficam dentro do solo e retiram dele a água e os nutrientes. Assim também, a parte mais importante da vida de
um cristão são suas "raízes espirituais", que
se alimentam dos recursos ocultos que possuímos em Cristo (Ef 3:17; Cl 2:7). É isso o
que significa "permanecer em Cristo" (Jo
15:1-9).
Nas Escrituras, a água potável é uma figura do Espírito de Deus (Jo 7:37-39; 1 Co
10:4), enquanto a água para se lavar retrata
a Palavra de Deus (Sl 119:9; Jo 15:3; Ef 5:26).
A sede de água é uma imagem da sede de
Deus (42:1; 63:1; 143:6; Mt 5:6; Ap 22:17),
e, com freqüência, um rio retrata a provisão
divina de bênçãos espirituais e de ajuda para
seu povo (36:8; 46:4; 78:16; 105:41; Êx
17:5, 6; Nm 20:9-11; Ez 47; Ap 22:1, 2).
Não somos capazes de nos nutrir nem de
nos sustentar por nossa própria conta; precisamos estar arraigados em Cristo e nos
alimentar de seu poder espiritual. Uma das
fontes de energia é a meditação na Palavra
(v. 2); as outras são a oração e a comunhão
com o povo de Deus. Como escreveu Alexander Maclaren: "A religião não tem volume
nem profundidade, pois não é alimentada por
mananciais ocultos".
As árvores podem secar e morrer, mas
aquele que permanece em Cristo mantém-se sempre verde e dá muitos frutos (ver
92:12-14). Os "frutos" se referem aqui a várias bênçãos: ganhar pessoas para Cristo (Rm
1:13), ter um caráter piedoso (Rm 6:22, Cl
5:22, 23), contribuir financeiramente para a
obra do Senhor (Rm 1 5:28), servir e realizar
boas obras (Cl 1:10) e louvar ao Senhor (Hb
13:15). É triste quando um cristão não dá atenção a suas raízes e começa a secar. Lembre que a árvore não come os frutos: eles
são para outros. Também não podemos esquecer que frutos não são a mesma coisa
que "resultados", pois os frutos têm dentro
de si as sementes para mais frutos. São decorrentes da vida de Deus fluindo por nós.
O justo descrito nos versículos 1 a 3 é,
sem dúvida, um retrato de Jesus Cristo, que,
de acordo com João 14:6, é o caminho (v. 1),
a verdade (v. 2) e a vida (v. 3).
3. A PESSOA QUE PRECISA DE UMA BÊNÇÃO
(Sl 1:4-6)
A primeira metade do salmo descreve uma
pessoa temente a Deus, enquanto a segunda
metade concentra-se nos ímpios - aqueles
que os cristãos elevem procurar alcançar com
o evangelho. Como essas pessoas precisam conhecer a Deus e receber suas bênçãos em
Cristo!
As Escrituras descrevem os perversos de várias maneiras, sendo que, nesse
caso, a imagem usada é a da palha. Ao contrário dos justos, que são como árvores, os
ímpios são mortos, sem raízes, espalhados
por toda parte e destinados ao fogo. A palha
não tem valor algum. Quando os grãos são
selecionados, o vento leva a palha embora e
toda a palha que ainda resta é queimada.
João Batista usou essas mesmas imagens de
árvore, fruto e palha para advertir os pecadores e chamá-los ao arrependimento (Mt
3:7-12). Os perversos deste mundo parecem
ricos e fortes, mas do ponto de vista de Deus,
são desprezíveis, frágeis e destinados ao julgamento. (Ver Sl 73.) Não é de se admirar
que Jesus usasse o depósito de lixo do lado
de fora de Jerusalém (conhecido como
sehena) como uma figura do inferno, pois
era lá que os restos sem valor iam para o
fogo (Mc 9:43-48). A palha fica muito próxima dos grãos, mas no final, os dois são
separados, e a palha é levada pelo vento ou
queimada. Até que isso aconteça, porém,
temos a oportunidade de testemunhar aos
ímpios e de levá-los para Cristo.
Quando o dia do julgamento chegar, o
Senhor, o Justo Juiz, separará o trigo do joio,
as ovelhas dos bodes e os grãos da palha, e
nenhum incrédulo poderá reunir-se com os justos.
O verbo conhecer, no versículo 6, não
quer dizer que Deus está apenas ciente da
existência dos justos em nível intelectual e
que se lembra deles. Antes, significa que os
escolheu e que os guardou providencialmente, conduzindo-os, por fim, a sua glória. Como no caso de Amós 3:2, o termo conhecer
é usado com o sentido de "escolher, entrar
numa relação de aliança, ter um relacionamento pessoal". No dia do julgamento
final, Jesus dirá aos perversos: "Nunca vos
conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais
a iniquidade" (Mt 7:23).
Este salmo começa com a ideia de ser
"bem-aventurado" e encerra com o conceito
de ser "destruído". Os verdadeiros cristãos
são abençoados em Cristo (Ef 1:3ss). Receberam a bênção de Deus e podem ser uma
bênção para outros, especialmente para a
palha que um dia será lançada ao fogo. Esforcemo-nos para ganhar o máximo de pessoas
para Cristo.