4 de jul. de 2020

As duas Graças. (Felipe Azevedo)

Neste pequeno artigo quero propor uma pequena (mas não pouco importante) distinção entre a graça que chamamos de "salvadora" e a graça "comum". Quero fazê-lo com um intuito em particular: tornar claro que toda e qualquer manifestação de justiça humana provém de Deus.

A importância dessa distinção é clarear aquela velha e pertinente questão: se um não cristão, ou até ANTI cristão, manifesta aquela justiça requerida aos cristão, isso não seria uma prova de sua aceitação perante Deus? Ou ainda: se alguém que não frequenta a igreja, não ora, não participa dos sacramentos, enfim, não é alguém assumidamente religioso, mas pratica as mesmas obras por outros motivos, não teria este a mesma aceitação diante do tribunal de Deus?

Bem, respondendo de maneira enfática as perguntas, a resposta é NÃO. Vamos às justificativas e uma breve explicação de cada uma destas "graças". 

Em primeiro lugar a graça comum. Chamamos esta benevolência divina de "comum" no sentido de que ela se manifesta "a todos os homens indistintamente". A bondade divina de fato alcança todos os homens de várias formas. Afinal de contas, toda a justiça, misericórdia, generosidade, amor, compaixão fluem de onde? Antes destas virtudes terem qualquer grau de influência no coração humano, elas vêm naturalmente do alto. Assim ensina Tiago: 

Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.

Portanto, Deus sempre é o maior interessado em promover o bem nos homens e entre os homens. Não há do que se gloriar diante de Deus. Através de leis, governos, arte, literatura, a natureza, a sabedoria contida na natureza, enfim, tantas quantas são possíveis de imaginar, são as formas ordinárias pelo qual Deus manifesta este zelo pela verdadeira justiça e bondade, apesar da resistência e violação humana.

Por vezes vemos homens se vangloriando destas virtudes como se partisse de nós mesmos tais coisas, quando na verdade o que é próprio da humanidade em geral, quando unidos ou em particular, é a manifestação da maldade. O que nós vemos constantemente é a violação da ordem natural e daquela moral intrínseca plantada por Deus no homem. Tudo o que é bom, portanto, em nós, provém dEle, e para Ele deveria ser oferecido em louvor e gratidão.

Por outro lado, quando tratamos da graça "salvadora", queremos dizer uma manifestação da misericórdia que nem todos os homens vem a experimentar. Esta graça é oferecida a todos, mas derramada sobre os fiéis. A Bíblia diz: "Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crer, não pereça, mas tenha vida eterna" (João 3:16). Esta graça produzirá no homem a natureza de Deus a partir do seu Espírito. Uma graça de dentro para fora. Extraordinária. Reproduzindo o caráter de Deus no homem caído. Passamos a "gerar" essa graça através de Cristo. É um recomeço.

Veja que há algumas semelhanças entre estas duas graças. Primeiro, ambas fluem de Deus para o homem. Segundo, procuram o bem do homem, a comunhão e o louvor de Deus. Terceiro, não dão espaço para vanglória humana; se na comum não havia, muito menos na salvadora. Porém, existem algumas diferenças fundamentais entre elas. Primeiro, como já dissemos, na comum todos os homens desfrutam, na salvadora apenas os fiéis. Segundo, na graça comum Deus abençoa por meio da ordem natural deste mundo, na salvadora por meio da Palavra, do Filho e do Espírito Santo. Terceiro, na graça comum os homens manifestam virtudes naturais, insuficientes para justifica-los; na salvadora, os fiéis manifestam o fruto do Espírito, evidências da justificação pela fé.

Portanto, um homem pode desfrutar da graça comum de Deus durante toda sua vida, sem desfrutar da graça salvadora. A maioria de nós somos como o "filho pródigo", usamos as riquezas do Pai para nosso próprio deleite, desperdiçando todas as bençãos de ordem natural com o pecado. Quando somos alcançados pela graça salvadora em Jesus, passamos não somente a usufruir de maneira espiritual a graça comum, mas experimentamos a "vida eterna", que não tem um sentido primário de "quantidade de vida", mas sim de "qualidade de vida". Uma vida reconciliada com Deus. Um relacionamento vivo e verdadeiro.

Precisamos buscar essa graça salvadora para podermos verdadeiramente usufruir da aceitação e comunhão com Deus. Para verdadeiramente ver a existência com a ótica divina. E isso somente é possível por meio do Filho de Deus, que nós dá o seu Espírito. Creia hoje, viva eternamente.